Paragominas (PA) é exemplo de que é possível ter uma pecuária ‘verde’, que ainda aumenta produtividade das fazendas
Publicado originalmente no Estadão
Com pouco mais de 100 mil habitantes, Paragominas, a 300 km ao sul de Belém, é um centro vibrante da produção agropecuária brasileira. Lojas de produtos voltados ao setor, que incluem estabelecimentos especializados em drones para uso nas lavouras, se enfileiram pelas ruas da cidade.
Durante o verão amazônico – de julho a outubro, quando as temperaturas se aproximam dos 40ºC e a chuva cessa –, o cenário não remete ao imaginário que se tem da floresta. É época de vazio sanitário, e a soja não pode ser cultivada, uma regra criada para evitar que o fungo causador da ferrugem-asiática se multiplique pelas lavouras. Terrenos secos e sem vida, apenas emoldurados pela vegetação verde da mata tropical ao fundo, compõem a vista que se tem nos arredores da cidade.
Ainda que a paisagem seja essa, Paragominas é conhecida como “município verde”, uma alcunha que, dependendo do período da história da cidade, pode ou não fazer sentido. Em 2008, após ter entrado na lista das cidades que mais desmatavam a Floresta Amazônica e seus produtores rurais, consequentemente, ficarem sem acesso a linhas de crédito, Paragominas criou o Projeto Município Verde.
A experiência de Paragominas é até hoje, 15 anos depois, o principal exemplo de que o Brasil pode reduzir suas emissões, aumentar a produtividade e alavancar a economia ao mesmo tempo. O que Paragominas fez no fim da década de 2010 deixou claro que, com vontade política e envolvimento da sociedade civil, o País tem como reverter seu maior problema ambiental – a emissão de gases decorrente do desmatamento.
A agropecuária é tida como a grande vilã do efeito estufa no Brasil, sendo responsável por 26,6% das emissões de gás carbônico equivalente (medida que expressa a quantidade de gases de efeito estufa em termos equivalentes à quantidade de dióxido de carbono). A atividade aparece depois das chamadas “mudanças do uso da terra”, que emitem 48,3% dos gases no País. O problema é que as mudanças do uso da terra estão quase sempre relacionadas também à pecuária, pois com frequência envolvem desmatamento para dar espaço à produção de gado. Em muitos casos, entretanto, o gado é usado apenas para dar uma aparência de produtividade a uma área que foi invadida e devastada por grileiros.
O plano de Paragominas, que revolucionou a reputação da cidade e provou ser possível conciliar a redução da emissão de gases com o desenvolvimento econômico, foi encabeçado pelo então prefeito, Adnan Demachki, com o apoio do presidente do sindicato rural da cidade à época, Mauro Lúcio Costa. O projeto previu campanhas ambientais, parcerias com ONGs, monitoramento por satélite do desmatamento, cadastro das propriedades rurais e a assinatura de um grande pacto contra o desmatamento em que mais de 30 entidades civis e o setor público se comprometiam a preservar a floresta da região.
“Peguei os formadores de opinião da cidade e pedi para todos trabalharem pelo projeto. Eles concordaram. Argumentamos que, se não parássemos o desmatamento, ia doer no bolso de todos, porque o pessoal ia ficar sem financiamento. Mas também falei que era uma vergonha o município estar nos jornais todo dia como exemplo negativo”, diz o ex-prefeito.
Um ano após o início do projeto, a cidade diminuiu a destruição da floresta em 44% e, em dois, deixou a lista das maiores desmatadoras. Em 2010, o município recebeu o Prêmio Chico Mendes de Meio Ambiente.
O Projeto Município Verde se tornou conhecido globalmente. Por liderar esse trabalho, Demachki foi eleito uma das cem personalidades mais influentes do Brasil em 2011 pela revista Época, e Costa estampou reportagens de jornais do Brasil e do exterior, como o Wall Street Journal, sobre como é possível aliar pecuária à preservação da maior floresta tropical do mundo.
A experiência do Município Verde provou que é possível aumentar a produção de gado sem desmatar. Isso porque a produtividade da pecuária brasileira é baixa. A média no País é de 1,1 unidade animal (o equivalente a 450 kg de boi vivo) por hectare. Em Paragominas, na fazenda de Mauro Lúcio da Costa (o ex-presidente do sindicato rural), esse número chega a 5. Na de Vinicius Scaramussa, colega de Costa, a média alcança 3,8, com picos de 7,2 unidades por hectare.
Costa e Scaramussa participaram do projeto Pecuária Verde, criado pelo sindicato, concomitantemente ao Município Verde. Nele, seis fazendeiros tiveram o acompanhamento de professores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP) para aumentar produtividade e preservação ambiental ao mesmo tempo.
Quando o projeto começou, a propriedade de Scaramussa foi mapeada por satélites e verificou-se que havia Área de Preservação Permanente (APP) degradada. A APP foi, então, cercada para que o gado não entrasse mais, e a natureza fosse recuperada.
O produtor instalou bebedouros para os animais percorrem distâncias menores para se hidratar e restaurou a pastagem. Para isso, fez uma análise nutricional do solo e adubou parte do pasto. Também passou a rotacionar o gado para que o pasto não fosse pisoteado pelos animais. Com o pasto bem cuidado, o gado engorda mais rápido, e a vegetação passa a reter mais carbono através de suas raízes.
O resultado: a produção aumentou e a área de preservação ambiental também. Antes, ele tinha 2.200 hectares de área aberta na fazenda e 2.200 animais, ou seja, um por hectare. Hoje, são 3.000 animais em 1.550 hectares; no inverno, chegam a ser 4.500 cabeças. Os animais também estão engordando mais em períodos mais curtos. Pesado, um boi equivale a mais de uma “unidade animal” – daí a produtividade anual média de 3,8 unidades por hectare.
Os bois de Scaramussa são abatidos mais rapidamente que a média brasileira. Em 32 meses, eles chegam ao tamanho adequado para serem encaminhados aos matadouros. No País, costumam ser 48 meses. Engordando em períodos mais curtos, os animais também emitem um menor volume de gases – a liberação de gases resultantes da digestão dos ruminantes, a chamada fermentação entérica, é responsável por 65% das emissões de gás carbônico equivalente da agropecuária
Scaramussa destaca, no entanto, que mesmo em Paragominas não há muitas propriedades que adotam técnicas de aumento de produtividade. “Você não pode pensar que a pecuária verde é o normal. O pessoal é resistente e, quando falo nossos números (de produtividade), me chamam de mentiroso.”
Pasto no Brasil: degradação chega a 60%
Não é só em Paragominas que as técnicas são pouco utilizadas, mas em todo o País. Prova disso é que o Brasil tem hoje 177 milhões de hectares de pastagem. Desse total, 60% têm algum grau de degradação, ou seja, precisam passar por um trabalho de recuperação.
Degradado, o pasto tem baixo nível de nutrientes e, portanto, de produtividade. Em pouco tempo, acaba sendo abandonado, e o produtor desmata novas áreas para colocar seu gado. O engenheiro agrônomo Moacyr Bernardino Dias-Filho, da Embrapa, calcula que, para cada hectare de pastagem recuperado, deixa-se de desmatar pelo menos dois hectares de floresta.
Entre 2010 e 2020, foram recuperados 26,8 milhões de hectares – o governo havia estabelecido uma meta de 15 milhões de hectares dentro do Plano ABC, um dos principais instrumentos de política agrária brasileira para a promoção da sustentabilidade. Até 2030, o objetivo é recuperar outros 30 milhões, de acordo com as metas estabelecidas no Plano ABC+.
Por ora, não é possível saber se o País está avançando na velocidade adequada. Não há um sistema de monitoramento público disponível. O diretor de Produção Sustentável e Irrigação do Ministério da Agricultura, Bruno Brasil, no entanto, afirma que o governo vai lançar uma plataforma com os dados até 2022 ainda neste semestre.
“Você não pode pensar que a pecuária verde é normal. O pessoal é resistente para adotar medidas de aumento de produtividade” Vinicius Scaramussa, Produtor rural.
Professor da Esalq e técnico do projeto Pecuária Verde, Ricardo Ribeiro Rodrigues afirma, entretanto, que faltam políticas públicas no País para que as técnicas de aumento de produtividade se espalhem entre os pecuaristas brasileiros, reduzindo a degradação do pasto e, portanto, o desmatamento. “A produtividade nunca foi incentivada na pecuária. Mas mostramos, no projeto, que é possível triplica-la. Se houver adoção dessas técnicas em grande escala, vamos liberar área para outros cultivos e para regularização ambiental”.
Para Rodrigues, é essencial criar um projeto que faça as técnicas chegarem aos pequenos pecuaristas e ampliar o acesso a financiamento. “É caro adotar as técnicas, pagar adubo e comprar gado. Precisa dar carência no crédito, porque aí o produtor consegue pagar depois que tiver o aumento de produtividade.” Segundo ele, o rendimento da pecuária tecnificada chega a R$ 2 mil por hectare, enquanto a média fica ao redor de R$ 350.
Na visão do coordenador do Observatório do Clima e do Mapbiomas (iniciativa que mapeia o uso da terra no País), Tasso Azevedo, também é preciso retirar subsídios, como taxas de juros inferiores às de mercado, de atividades que desmatam legalmente. Hoje, bancos costumam não dar financiamentos apenas para projetos desenvolvidos em áreas onde houve desmatamento ilegal. “Não é do interesse do País desmatar novas áreas. Alguém pode até desmatar legalmente, mas sem subsídio”, diz.
Segundo Azevedo, se o crédito fosse proibido a propriedades rurais do País onde houve desmatamento legal entre 2019 e 2022, apenas 3% perderiam acesso aos recursos. “É uma medida importante que afetaria poucos.” O engenheiro florestal sugere ainda que haja, através do Plano Safra, uma concessão de crédito com taxas ainda mais baixas para quem preservar a floresta. “Se você tem um excedente de reserva legal, você pode ter um desconto a mais no financiamento agrícola.”
O próprio Scaramussa afirma que não investe em toda a fazenda como gostaria por falta de capital para comprar gado. “Não adubo o pasto de toda a fazenda, porque não conseguiria comprar mais gado para colocar.”
O ex-presidente do sindicato de Paragominas, Mauro Lúcio Costa, também diz que a produtividade de sua fazenda só não é maior por não ter condições de aumentar o rebanho. Com a estrutura que tem, ele poderia colocar até dez cabeças por hectare, mas hoje tem cinco.
O risco da volta do desmatamento
Paragominas é o exemplo de que alterar – e rapidamente – a trajetória do desmatamento não é impossível. Após uma década de resultados exitosos em seu projeto Município Verde, a cidade voltou a registrar índices alarmantes de devastação da Amazônia. Entre julho de 2021 e agosto de 2022, a cidade perdeu 47 km2 de floresta, isto é, 7 km2 a mais do limite para que o desmatamento seja considerado sob controle pelo governo federal.
Segundo a secretária do Verde e do Meio Ambiente da cidade, Amanda Purger, o desmatamento ultrapassou o limite após o governo de Jair Bolsonaro autorizar a supressão de 11 km2 de floresta de um assentamento. O município, porém, teve, no mesmo período, outros 12,4 km2 de desmatamento legal no períodos e 22,6 km2 de ilegal.
Pesquisador do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e um dos técnicos do projeto Município Verde, Paulo Amaral afirma que a devastação recente da floresta na região acompanhou o ritmo de aumento do desmatamento no País. Ele pondera, porém, que o desafio agora é controlar o desmatamento em propriedade pequenas – na década passada, as atividades ilegais se concentravam nas grandes.
A secretária do Meio Ambiente destaca que a prefeitura vem adotando medidas para que esses números voltem a cair, como multar propriedades que desmatam. Entidades também voltaram a assinar um pacto, dessa vez para que o município zere as emissões líquidas e o desmatamento ilegal até 2030.
“Não nos assustamos com os números de 2022 porque vemos que eles já voltaram a cair e muito por causa do projeto Paragoclima, que é a continuação do Município Verde”, diz a secretária.
Para Mauro Lúcio Costa, presidente do sindicato rural da cidade, quando o Município Verde foi criado, houve, nos últimos anos, um “emburrecimento” da sociedade, que passou a ver as pessoas como ruralistas ou como ambientalistas e deixou a preservação da floresta no meio dessa disputa política. De acordo com ele, a população de Paragominas também se “descuidou” após anos de sucesso do programa de preservação ambiental.
“As pessoas relaxaram. Mas o que Paragominas sabe fazer é reverter. Já revertemos uma vez começando de uma situação muito pior que a atual. Agora temos mais conhecimento e condição do que tínhamos em 2008. É só o pessoal acordar.”
Entre agosto de 2022 e julho de 2023, o desmatamento na cidade foi de 31,6 km2, uma queda de 32,8% na comparação com os seis meses anteriores.